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A lei da anistia deve ser revista após as novas revelações sobre a ditadura militar? NÃO

Ives Gandra da Silva Martins

Em 31 de março de 1964, as Forças Armadas brasileiras derrubaram o governo Jango com apoio de inúmeros partidos. A manifestação dos sargentos instigada pelo presidente da República contra os oficiais superiores, em 13 de março, e o risco de não ser realizada a eleição de 1965, com dois candidatos já declarados (Juscelino e Lacerda), gerou apreensão, desaguando na multidão que, em 19 de março na Praça da Sé, repudiou o ato de seis dias antes.

Diversos partidos apoiaram a intervenção militar, e os mais importantes jornais brasileiros (Folha, O Estado de S. Paulo, O Globo e outros) aplaudiram o movimento, considerando-o necessário para preservar as instituições, nos dias subsequentes.

O Ato Institucional nº 2/65, extinguindo os partidos e suprimindo as eleições de 65, fez com que muitos dos que aderiram ao movimento dele se desligassem.

Surgiu, à época, prolongando-se até 1971, uma ação guerrilheira contra o regime militar. Muitos de seus participantes pretendiam instalar uma ditadura semelhante à cubana no país. Houve violência, de lado a lado, com torturas e mortes por parte das autoridades e atos terroristas por parte dos opositores, inocentes civis tendo sido sacrificados nesse embate.

Quando a rebelião armada perdeu força e os jornais foram censurados, as vozes que passaram a ser ouvidas, na luta pela redemocratização brasileira, foram as dos advogados.

Liderados pela figura maiúscula de Raymundo Faoro (1925-2003), não só conseguiram gradativamente pavimentar o caminho para a redemocratização sem sangue como trazer para a vida pública aqueles opositores à mão armada –que mataram, segundo dados oficiais, 129 civis e militares no período.

A lei da anistia de nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, redigida por Raymundo Faoro, colocou uma pá de cal naquelas lutas fratricidas, anistiando guerrilheiros e autoridades. Permitiu que o Brasil, de 1979 a 1985, caminhasse para a democracia, finalmente alicerçada, primeiramente com a vitória de Tancredo Neves (1910-1985) e confirmada pela Lei Suprema de 1988, onde constitucionalizadas foram suas disposições (art. 8º do ADCT).

Ao ser levantada a tese de que teria a lei que ser revista —no momento em que os antigos opositores assumiram o poder com a eleição do presidente Lula—, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com parecer favorável do então advogado-geral da União, o ex-advogado do PT Dias Toffoli, que era irrevogável, até porque cláusula pétrea da Constituição proibia a revogação com efeitos retroativos de lei penal (artigo 5º, inciso XXXVI).

O governo de então, em que grande parte dos opositores ao regime militar assumiu cargos de relevância, estabeleceu uma Comissão denominada “da Verdade”, para apuração dos crimes do período. Da verdade parcial, pois os crimes dos guerrilheiros não foram apurados. Pretenderam, seus membros, a revogação da lei da anistia, sob o argumento de ser imprescritível o crime de tortura. Não o era, à época dos fatos.
Novamente, a tese não foi hospedada pelo Pretório Excelso.

Parece-me que a pretendida reabertura do tema à luz de um relatório da CIA – é de se lembrar que foi a CIA que, num relatório, declarou que havia armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, jamais encontradas– continua, do ponto de vista jurídico, a não ter a menor possibilidade de êxito junto ao Supremo, em face da clareza da Carta sobre a matéria e das decisões daquela Corte, que continua respeitando o disposto na Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, cuja dicção é a seguinte: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”.

Artigo publicado no último dia 19, no jornal Folha de S. Paulo em Tendências e Debates.