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EM DEFESA DO STF

Ives Gandra Martins

Em muitos de meus artigos tenho exposto minha opinião contrária à denominada teoria do consequencialismo, pelo qual a orientação judiciária deve ser guiada pela consequência legal que provocará, abrindo, pois, espaço para o direito de legislar nas omissões dos Parlamentos. A teoria tem recebido diversos rótulos acadêmicos como neoconstitucionalismo, politização do Judiciário, judicialização da política ou, pela imprensa, de ativismo judicial.

Embora cada uma dessas denominações traga características próprias, há um núcleo comum, ou seja, de que o Judiciário não é apenas um “legislador negativo” —que veda curso a leis inconstitucionais ou diplomas legislativos que firam diplomas de hierarquia ou categorias condicionadoras da produção legislativa—, mas que poderia atuar nas brechas, vácuos, situações sem contorno jurídico definido ou que até mesmo precisassem ser alteradas.

Advogo há 60 anos e leciono em universidades há 57 anos. Nada obstante títulos universitários obtidos no Brasil, América e Europa —creio que mais por antiguidade que por merecimento— e livros e estudos publicados em 21 países, confesso que não consigo conceber um poder técnico despido de representação popular com direito a legislar.

Os artigos 1º e 2º da Constituição Federal são claros ao definir que o Estado democrático de Direito está alicerçado na harmonia e independência dos Poderes, 0 que vale dizer que cada Poder é competente na sua área, cabendo ao Supremo Tribunal Federal (art. 102) ser tão somente o guardião da Constituição.

0 meu criticado “conservadorismo” pela nova geração de doutrinadores coloca-se, todavia, em um plano acadêmico no qual reconheço haver defensores para as duas correntes —quais sejam, a clássica, em que me incluo, e aquela dos que entendem que, se o século 19 foi o da predominância dos Executivos e o 20 dos Legislativos, o século 21 será o século do domínio do Judiciário.

Ora, a rápida mudança nos governos do presidente Lula e da presidente Dilma, que levou à indicação da grande maioria dos atuais ministros, representou também alteração na atuação do Pretório Excelso, hoje com maior protagonismo individual, menor vocação ao princípio do colegiado e uma presença intensa na imprensa de seus ministros. Suas frases isoladas e veiculadas pela mídia muitas vezes foram tomadas como “súmulas vinculantes” pelo povo.

Confesso que, apesar de estudar direito desde que entrei na Faculdade do Largo de São Francisco em 1954, ainda continuo estudando e tenho muito a aprender. Não sem razão, fico espantado quando vejo pessoas da mais variada formação se manifestarem como julgadores supremos dos magistrados da Suprema Corte, criticando-os severamente, como se fossem examinadores de bancas acadêmicas com disposição a reprovar o candidato.

Tenho discordado da linha adotada pela maioria da Suprema Corte, mas reconheço que são eminentes juristas e que as teses expostas em seus julgamentos são alicerçadas em sólidos argumentos de direito e em pessoal convicção, o suficiente para justificar sua independência e a certeza pessoal de que cada um defende a tese que lhe parece a melhor.

Infelizmente, o direito positivo não é uma ciência exata, e é absolutamente impossível haver sua regulação perfeita e completa sobre os tipos de comportamento humano. E, pois, nesta zona fronteiriça e cinzenta que a doutrina jurídica navega, algo que, por não ser de fácil compreensão, é tão criticado pelas preferências ideológicas daqueles que não estudam direito.

Minhas divergências doutrinárias são, todavia, convergentes num ponto, 0 de que a Suprema Corte brasileira é constituída de excelentes juristas e, sobretudo, seres humanos de elevado senso social e ético, que expressam suas convicções e conhecimentos, buscando o primado da Justiça, da Constituição e a estabilidade das instituições.

Jornal Folha de S. Paulo em Tendências e Debates, 22 de julho de 2018.